sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

"A Carta das Quatro Estações"

 
Capítulo XXVI -  "A Carta das Quatro Estações"


Sabes amiga, ontem pôs-se cá um vendaval, aqui na serra, nem te conto, foi de arrepiar. Graças ao Divino, que passou-lhe a neura, e acalmou as intempéries. Há pouco, fui à janela, espreitei, e a neve parece estar de volta, depois de valentes chuvadas e ventos tempestuosos.
Às vezes ponho-me a pensar que podíamos ser um povo feliz, sem viver atormentado no final do mês com as contas para pagar. Custa-me ver famílias amarguradas, perdendo os seus bens, com falta de comida para alimentar os seus filhos convenientemente. Devia ser expressamente proibido distribuir a riqueza desta forma tão desigual. Isto não tem a ver com ideologia política, tem a ver com uma justiça social, e um egoísmo egocêntrico que os Estados não são capazes de pôr termo. Todos sabemos que uma sociedade sem classes é pura utopia, como a história da raça humana assim o comprova, mas que a maior parte da riqueza que existe no mundo está na mão de meia dúzia de pessoas, lá isso é verdade. Se houvesse um conclave das Nações Unidas para erradicar de vez com a pobreza e a fome no mundo, porque todos sabemos que é possível, teríamos um mundo melhor, um mundo de paz e amor pelo próximo. Também sei que o ser humano, por vezes, é maquiavélico e excede o limite do razoável. De vez enquanto, vem-me estes pensamentos existenciais, porque também não sei se um dia, estarei uma valeta pedindo de comer para matar a fome. Não quero para os outros aquilo que também não quero para mim. A mim, não me importa que o outro tenha mais do que eu, desde que eu possa de livre vontade ter uma vida condigna.
Extravasei um pouco o contexto desta carta, mas também é preciso que saibas o que eu penso do mundo em que vivemos, porque agora na hora que eu estou a escrever, está muita gente a sofrer e mesmo a morrer fora de tempo.
Não acredito em salvadores da Pátria, acredito que pode haver gente com capacidade para melhorar o nosso país, gente que não se corrompe, aos interesses instalados, gente com cariz humanista e sensibilidade social. Podíamos ser a flor do atlântico, de montes e vales puros de gente feliz e solidária com o próximo.
O êxodo para as grandes cidades, por melhores condições de vida, e o abandono do interior, deu nisto… Falta de emprego, pouca oferta para muita procura de trabalho. Em lugar de investir num interior rico em recursos naturais, os nossos políticos, preferiram investir num litoral, superlotado, de gente e de bens de consumo, que certamente nunca vai chegar para todos. Se as políticas de organização do território continuarem assim, dentro de quinze anos, podemos dividir Portugal, tipo tratado de “Tordesilhas”, ficaremos um país dividido a meio, numa linha vertical de norte para sul: a “Este” um país desenvolvido e industrializado com todas as carências a nível social. A “Oeste” um país esquecido, parado no tempo, entregue a meia dúzia de resistentes ao capitalismo desenfreado que não se reveem naquele contexto de sociedade materialista, e sem rosto humano.
Sabes amiga, parece que hoje acordei um pouco anarquista, penso eu, mas não é verdade. É simplesmente uma reflexão que de vez em quando, eu acho que devo fazer, para não esquecer, e transmitir, que o mundo não se limita aos dólares ou aos euros, é muito mais do que isso. Claro que precisamos de dinheiro para sobreviver, isso sem dúvida é necessário, mas a organização da sociedade poderia, muito bem, ter uma organização social mais equilibrada para todos poderemos viver mais felizes.

Quito Arantes

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